12/12/2023 - meados da vida

 A vida é crua. De manhã acordo com o vento assoprando meus cachos, o sol gentilmente iluminando o meu rosto, os pássaros cantando sua sinfonia única, as folhas dos coqueiros levemente se entrelaçando, meus gatos respirando profundamente enquanto dormem ao meu lado, e cada um desses aspectos ocorrendo de forma complementar, e ao mesmo tempo singular. Abro os meus olhos devagar, me espreguiço e deixo-me sentir: a preguiça, o coração batendo, o pijama sobre minha pele, o arrepio singelo, a fome matinal, a boca seca de sede, os lábios macios, os ouvidos capturando o som da manhã e todas essas pequenas sensações que me fazem humana. O pensamento é cru, é traidor e repentino - em questão de segundos minha mente transforma tudo em um viver automático e de repente sinto vontade de apenas ser humana. 

Acho perfeitamente imperfeito todas as vertentes e faces da vida, de todas as suas formas e criaturas. Porém, acho tristemente repugnante essa mania - racional/humana - de dividir-se do natural. Não me entenda mal, a evolução é ótima, mas sei que todos pecamos e merecemos queimar no fogo do tal inferno quando divergimos de nossa essência, na verdade, já vivenciamos o inferno quando o fazemos. 

Perdemos avistar tão belos pores do sol, ouvir aquela risada divertida das pessoas que tanto tanto amamos, perdemos amar, demasiadamente simplesmente amar, sem medo, amar como forma de revolução dessa bruta carcaça que vivenciamos. Perdemos sentir raiva, decepção, perdemos chorar por horas, ou gritar até a garganta doer - seja qual for o motivo -. Deixamos de nos arrepiar até o último fio de cabelo existente em nossos corpos, nos afastamos da sensação da areia nos pés, do sol tinindo na pele, da chuva gelada no corpo quente, da neve deixando nossas extremidades sensíveis. Abrimos mão daquela adrenalina que nos deixa vidrados, do coração batendo o peito quase o rasgando, da felicidade de estar vivo. 

Preferimos não sentir o sangue escorrer na pele depois de ralar o joelho, ou o suor pingar de nossa testa depois de um tempo correndo. Deixamos de sentir aquela sensação de abrigo perto daquela pessoa, ou de sentir todo o apego de um beijo, perdemos abraços apertados e caminhadas com mãos e braços entrelaçados. Nos afastamos da incrível sensação de intimidade com pessoas especiais, ignoramos a maravilhosa sensação de saciedade de fome, sede, frio ou calor, deixamos para trás cada único e singelo momento. Deixamos de viver por puro medo. Deixamos de sentir por medo de sentir. Preferimos não sentir nada do que ter que sentir coisas ruins. Somos covardes pois nos separamos de nossa nua e crua essência horripilante, apavorante, simplesmente por ser imperfeita. Nos inspiramos demais em "comerciais de margarina onde todos são felizes", nos comparamos demais com todo o resto do mundo e - não esquecemos -, nós ignoramos, os únicos momentos importantes dessa vida. 

Eu já quis ser perfeita, mas acho que comecei a valorizar a singularidade acima de qualquer coisa. Sou unicamente imperfeita e humana, e é tão bom ser assim. No fim, é libertador admitir minha humanidade, admitir que erro incontáveis vezes e abraçar todas as minhas facetas e atitudes, porque no fim, errei porque sou imperfeita, acertei porque me esforcei e vou permanecer com minha dualidade pro resto dessa vida. Sou obcecada pelo risco de viver. Que eu nunca abra mão desse risco. Adoraria arrancar minha pele fora se esse fosse o risco de estar viva.


imperfeita, pulsante.




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