Restos.

Sou dejeto imoral da vida. Vestígio orgânico do ventre. Traste da humanidade - de minha espécie. Minha existência é dual: nasci porque devia, mas devia? Por que nasci? Fui desejada? Sou desejada? Eu não me desejo. Não queria estar aqui, mas agora que estou, quero. 

É por isso que não sei viver? É por isso que o vazio me toma? Mesmo que minha existência compense a falta do desejo, sinto que algo falta. Sou fruto de hipocrisia. Impura. Por isso os trejeitos estranhos. Por isso sou alienígena, trêmula. Por isso me falta saciedade, ingrata. Por isso o buraco, invejosa. 

Ainda assim, me intriga minha gestação. Sinto-me merecedora. Ganhei - perda de estar aqui. Talvez fosse melhor ter perdido. Porém, me intriga a vida. Sou cruelmente curiosa, muito mais do que devia. Quero saber como minha história termina, e se termina. Quero viver o clímax, sentir o mais puro ser. Quero entender a mim e aos outros.

Ainda tenho desejo de vida, mesmo que seja resto de falso banquete barato. Comida velha, podre, indesejada. Desnuda, crua, figurante, trapaceira. Entranhas fogosas, chorume escroto. Vermelho, como carne moída. Mal cozida. Barulho gosmento asqueroso. Liga mofada, fermentada. Abutre divino - gosto quando os urubus me fazem companhia. Ainda tenho direito de ser eu. Sedenta. Mesmo que fatal, ainda sou laranja.

Há quem goste de mim. 








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